quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Dia da Mãe




Tinha guardado este dia para falar da minha mãe, neste espaço que me permite, fundamentalmente, deixar por escrito para as minhas filhas Mafalda e Mónica, quem foram os seus antepassados.
A Mónica teve pouco contacto com ela mas a Mafalda ainda se lembra dela, especialmente por causa das chávenas de chá, muito fraquinho, que a minha mãe fazia para ela.
A minha lembrança sobre a minha mãe deve-se a diversas coisas. Em especial sinto-a naquilo que herdei dela. O meu sentido artístico vem do lado dela e do meu avô materno.
Ela pintava uma "espécie rara", o hiper realismo. Fazia quadros grandes em que mostrava especial atenção para com a natureza. Nos quadros dela era sempre de dia e havia sol. Eram sempre muito primaveris. Os brilhos nas folhas ou nas pequenas ondas dos lagos eram retocados a pincel zero ou até zero zero.
Desde muito pequena que tinha uma tendencia clara para as artes e além da pintura, desenhava, desenhava e fazia bordados extensíssimos com um enorme rigor, visível pelo inverso dos trabalhos onde todos os remates são identicos e onde todos os pontos mantêm a mesma direcção. Naturalmente não estou a explicar bem só que não sei as expressões correctas.
Nasceu em Queluz e adorava o Palácio. Tinha orgulho no facto do Pai dela ter ajudado a salvar imensas coisas no fogo do Palácio nos anos 30 ou 40 do século XX.
Não tinha tanto orgulho em outras coisas mais pessoais, especialmente no que dizía respeito às amantes que ele tinha.
A minha mãe tinha fortes influencias de esquerda, ou daquilo que se afirmaría como esquerda na actualidade. Afinal o Pai tinha sido um dos fundadores do MUD, Movimento de União Democrática, tinha sido preso pela Pide e o Avô Paterno dela era um verdadeira Socialista Bolchevique, que lia Marx e Engels.
Quando o Santa Maria foi desviado a rádio não disse quase nada sobre o assunto, mas ao ouvir a notícia, a minha Mãe disse logo que tinha sido o Henrique Galvão e que estavam a desviar o navio para o Brasil. O meu Pai que era funcionário do Estado, ficou assustadíssimo. Infelizmente na época não era razão para menos.
Em 1959 a minha Mãe meteu-se no Mousinho de Albuquerque, um Lockheed L1049 "Constelation" da TAP, e foi ter com o meu Pai.
Desde esse dia o meu Pai tornou-se absolutamente monogâmico.
Houve um dia que decidiram começar a viver juntos e algum tempo depois, PUF, nasci.
Eu nunca imaginava ... todos os meus colegas de escola tinham pais que eram casados um com o outro.

Um dia a minha mãe convidou-me para um casamento; tinha eu 15 anos
Eu lá fui sem fazer perguntas porque ela disse que era surpresa. Eu gosto de surpresa por isso não me importei.
Bem, mas foi realmente uma enorme surpresa... era o casamento dos meus pais.

Dos tempos de África, uma das minhas lembranças em mais pequeno é aquele dia das fotos que estão ali no topo do texto, tinha eu dois anos.
Lourenço Marques era uma cidade muito bela. O meus pais saíam, não todos os fins de semana mas quase. Levavam sempre a máquina fotográfica e registavam-se os passeios. Por isso a memória tem a vida facilitada.
Toda a nossa vida foi profundamente abalada pela revolução.
Perdemos tudo e nunca mais a vida foi o que era.
O meu Pai largou o Estado e finalmente foi o que desejava; professor a tempo inteiro.
No dia dos meus anos em 1993, o meu Pai morreu e a minha Mãe ficou só.
No dia seguinte à morte dele, a minha mãe contou-me que ele lhe tinha aparecido uma vez mais só para lhe dar flores... era mesmo dele.
Ela não gostava de grandes visitas e nem sequer imaginava viver com alguém em algum outro local que não fosse a sua casa.
Eu ía-lhe levar regularmente compras. Ela não saía e eu sabía muito bem os gostos dela.
Houve um dia que ela entre as grades da janela da cozinha me disse adeus. Ficou-me para sempre a lembrança desse fim de tarde, da sua mão a acenar, do seu olhar e do seu cabelo.


Três dias depois telefonei-lhe e ela não atendeu.
A minha Mãe faz hoje 82 anos.

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