O primeiro da direita é então o meu famoso avô materno, o Manoel Gonçalves dos Reis, nacido em Góis em 31 de Dezembro de 1898 mas registado por engano como sendo 1899.
Creio que uma boa parte do meu gosto pela fotografia e imagem vem dele, que já no fim dos anos vintes fazia fotografia. Por isso tenho belas fotos dele, da minha mãe e avó materna, de Queluz, Lisboa e Góis ao longo de 30 anos durante o século vinte.
Se o meu pai foi um homem com uma vida cheia de interesse, este avô é na classe dele o que mais me admira.
Segundo histórias dispersas foi ao tal Senhor Albano que ele comprou uma loja de peles em Lisboa, na Rua Augusta ou da Prata, a Casa da Rússia.
É à porta deste estabelecimento que o meu pai, sem sonhar que um dia se viría a juntar com a minha mãe, andava cerca de 1939 com uns amigos a marchar com bandeiras vermelhas enroladas. Depois veio a Pide, os polícias políticos da época, e eles desenrolam as bandeiras que afinal não eram soviéticas mas sim do Benfica. O avô Manuel ria-se da brincadeira.
O avô embora da família do Marcelo Caetano, o primeiro ministro antes da revolução de Abril de 74, tinha crescido com uma educação mais de esquerda. O pai dele era um Socialista bolchevique, que lia Marx e Engels.
A propósito de Marx e de Pide, o meu avô de vez em quando ía até à prisão de Caxias passar umas temporadas em que eles através de turtura, pancadaria e outros meios tentavam fazer com que ele admitisse ser comunista. Giro é que quando os agentes estiveram lá em casa nem deram por coisas tipo “O Capital”.
A vantagem de serem todos portugueses e ser da família do Marcelo, que já estava no Governo do Salazar há uns anos, era que enquanto estava preso, aparecia de tempos a tempos um camião da Manutenção Militar que vinha trazer comidinha, mantimentos e outros diversos. Foi assim que certa tarde de 1945 a minha mãe, no meio das coisas, ganhou pela primeira vez uns colants; eram norte americanos, feitos pela DuPont.
O avô Manoel dedicava-se a vários negócios e o interesse dele pela quimica levava a que tivesse também um laboratório farmaceutico em Coimbra, o Sier. Além disto também era correspondente do jornal “A República”.
O circulo de amigos era invejável e alguns dos maiores tinha-os conhecido enquanto fazia teatro.
Outros eram da rádio, no entanto era no cinema que encontrava o maior prazer. Era normal encontrar-se com os grandes realizadores da época, como o António Lopes Ribeiro, o Manoel de Oliveira ou o Perdigão Queiroga. Foi nos estúdios deste último que conheceu uma amiga com a qual teve uma relação mantida até ao fim da vida. Não me lembro do nome mas sei que era anotadora do Queiroga e que tinha sido uma relação começada a partir de uma aposta com um motorista. Quase foi viver com ela e ainda chegou a querer levar a minha mãe e o irmão para a sua casa. Algo aconteceu que travou essa vontade. A história da aposta era mesmo verdade porque um dia, eu em Lisboa, apanho um táxi conduzido por um senhor já idoso e depois de animada e estranha conversa, chegamos à conclusão que era desse preciso episódio que estávamos a falar, sendo esse motorista aquele com quem ele tinha feito a aposta.
Durante estes anos ainda consegue ser co fundador da protectora dos animais e membro activo no arranque do MUD, Movimento de União Democrática, um partido cujas influencias se terão arrastado por fracção até ao CDE, mais tarde MDP, tendo-se dissolvido depois da morte do José Manuel Tengarrinha, seu último mentor.
Em 1968 o Manoel morre com um cancro de estomago.
Os cães lá de casa deixaram de ir ter à Estação do comboio para o esperar... tal como faziam todas as tardes.