... a partir daí vieram-me mais um monte de recordações e história do nosso passado, aquela que quero ir escrevendo para as minhas filhas.
Nada melhor que usar o meu pai como o elemento de ligação neste passo da história da família. Afinal a maior parte do que me lembro tem a ver com memórias e apontamentos que fiz daquilo que ele ía contando ao longo de anos. Os envolvidos nesta descrição vão ser fundamentalmente o António e o Fausto Duarte Lindo, bem como a Lucinda do Carmo.
O avô António não emigrou directamente para Lisboa, já que na realidade acabou por lá ficar apenas depois da 1ª Grande Guerra Mundial. A “Brigada” de que fazia parte pertencia ao CEP, Corpo Expedicionário Português, foi enviada cerca de 1915 para o norte de Moçambique para combater contra os alemães no Tanganica, actual Tanzânia. Entretanto dois anos depois e sob comando do General Gomes da Costa a sua Brigada é enviada com outras directamente para França. É assim que são descarregados na Flandres, em pleno inverno de 1917, equipados de calções caqui e camisas de manga curta. Por lá andou até ao fim da guerra. Lutou em 9 de Abril na Batalha de La Lys, passou pela tenda do Dr Jaime Cortesão para ser observado por ter sido gaseado e voltou para Lisboa onde não estava fazia três anos. Foi único homem da família a voltar. Todos os restantes, nove, morreram lá.
O irmão dele, o Fausto, tinha ficado em Moçambique, tendo entretanto ingressado na Guarda Fiscal. Nunca mais voltou a Portugal, acabando por ser chefe de Posto no Lago Niassa; 30 dias a pé desde a costa do Índico.
O António e o Fausto são os primeiros a usarem o apelido Lindo. A irmã, Augustina Correia, foi a última a usar o nome de família original que era assustador; Calhau.
O António com este regresso a Lisboa reparte a sua juventude na capital por três locais fundamentais, a Costa do Castelo, onde reside num terceiro andar, mesmo ao lado da famosa Casa do Menino de Deus, a Rua das Portas de Santo Antão, por andar a fazer a escola primária no Ateneu Comercial, e a Rua do Bemformoso, onde trabalha de ajudante de marçano na mercearia do Sr. Jacinto Pedro.
Vivendo na Costa do Castelo no período antes da “estabilidade” do 28 de Maio de 1926, a revolução que acabará por estabelecer Salazar como eterno 1º Ministro, o dia a era regularmente incerto. Várias revoluções ou intentonas, com navios da armada a dispararem sobre o castelo de São Jorge, ripostando os militares do exército, sendo normal ter que fugir para os andares mais baixos.
Foi aí, ao cimo da Rua dos Cavaleiros, na Calçada de Santo André, que conhece a Lucinda do Carmo. Por questões de ordem natural, incluindo até o casamento, nasce o meu pai. Por ter sido esse o local onde eles se conheceram, o meu pai dizia ser membro da Casa Real Escocesa, a Casa de Santo André.
Algo que contarei noutra altura é a vida da minha avó materna Irene da Conceição, que era muito amiga desde miúda da Lucinda. Por isso é que a minha mãe também é Lucinda, Maria Lucinda. É que esse acaso levou a que a minha avó paterna fosse madrinha de baptismo da minha mãe.
A Europa está de novo em guerra. O negócio do armazém não corre nada bem, e arranjar outro emprego não é nada fácil.
O Fausto está em Moçambique e parece que por lá se consegue trabalho com menos dificuldade. O meu pai e a mãe vendem a loja e com o dinheiro compram passagens de barco para Lourenço Marques.
A treze de Novembro de 1940 embarcam no navio “Colonial” na Companhia Colonial de Navegação.
Chegados a África vêem-se perante todas as dificuldades de adaptação normais de quem nunca tinha saído de Lisboa. Tinham saído de Lisboa com chuva, quase no Inverno, com temperaturas máximas de 12 ou 13 graus e chegam a uma terra onde é quase Verão, com temperaturas a rondar os 35 graus, com uma humidade muito elevada em que dia e noite se está sempre a transpirar, rodeados de moscas e mosquitos.
Entretanto a Lucinda e o cunhado Fausto acabam por se casar.
O Fausto a quem eu também chamava Tio, tio Fausto, levou-me um dia com a Lucinda ao Jardim Zoológico. Não me recordo porquê mas acabámos por não entrar. O que não esqueço é o aroma do café com leite que a minha avó levava no termo. Estava muito quente mas soube tão bem. Só me deu uma chaveninha mas se tivesse dado tudo, acho que tinha bebido até à última gota.
Os acontecimentos precipitam-se por razões que nunca se saberá, a não ser que afinal o Céu exista e não seja um mito. O Fausto morre na noite de Natal de 1964; enforca-se.
Eu e os meus pais vivíamos num apartamento mas com a morte do Fausto mudámos para a casa da minha avó. Era na Avenida Afonso de Albuquerque, uma grande casa que tinha sido feita pelo Fausto e pelo meu pai.
Havia algumas coisas que os dois tinham muito em comum, mas fora a forma de ser, também os carros. Ambos tinham Volvos 444, o LM-14479 era do tio Fausto e do meu Pai o LMA-19-45, o que está na imagem a cores e em que eu vim para casa depois de nascer.
Um dia estava a olhar para a rua pelo postigo da porta de entrada. Vi a minha avó a atravessar a rua na nossa direcção. Não era outra pessoa parecida; era mesmo a minha avó. Chamei a minha mãe e quando ela veio, a Lucinda já lá não estava. A minha avó tinha morrido algumas horas antes no hospital onde se encontrava internada.
A 13 de Novembro de 1993 o meu Pai morre; treze de novo.
No dia seguinte a minha mãe contou-me que o meu pai lhe tinha trazido um ramo de rosas. O meu pai também tinha morrido no dia antes…
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Nota complementar:
Enquanto recolhia as imagens para acompanhar o texto reparei que havia uma onde o meu pai fazia uma careta. Havia uma outra careta que ele fazia e que não tenho em foto; tenho só em memória. No entanto é simplesmente ver a imagem da neta, a Mók; a papel químico. Quando o avô morreu, a Mókzza tinha 11 meses. É, ou deve ser ou coincidência ou simplesmente genético.
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