terça-feira, 13 de julho de 2010

Os anos de Troia


Para começar algo que explique a vida comum, nunca há meio de saber em que altura se deve começar.

Aqui já falei em coisas que se passaram quase na actualidade, e outras cujas origens remontam ao fim do Século XIX.

A missão é sempre deixar não uma biografia de família, mas simplesmente um grupo de factos que permitirá às minhas filhas saberem "de onde vieram"...
Ao desfolhar um album de fotos, fui encontrar uma sequencia de acontecimentos em que a vida apareceu e a morte aconteceu.
... estávamos em 1991, mais precisamente em Julho quando eu e a Manuela, a mãe da Mafalda e da Mónica, as nossas filhas, decidimos ir passar uns dias a Troia. Na altura Troia ainda tinha um pouco daquilo que eram as suas origens do tempo de uma coisa chamada Torralta, que a tinha construído, que era uma sociedade em que muitas pessoas do povo tinham investido as suas economias, sempre na esperança de conseguirem com isso algum capital e por outro lado poder passar dias de férias em locais onde só os mais abastados "burgueses" podiam ir.
Troia era aquele local onde íamos de vez em quando. Era giro, ficava ali do lado contrário de Setúbal, separado apenas por um ferry boat. No fim dos anos setenta ainda tinha um cinema que já não trabalhava a não ser por causa de um festival que resistia, o Festival de Cinema de Troia.
Tinha também um mini mercado, a que chamavam super. Tinha um pouco de tudo e alguns dias felizes da vida passei-os nesse local. Não no mini mercado, é claro, mas numa das partes do conjunto hoteleiro. Existia um hotel que nunca foi acabado, outros que operavam como aparthoteis, de classe superior, e uma coisa girissima que chamavam "bandas". Nas "bandas" um T0 custava 700 escudos, 3,5€ por dia, no Inverno de 1980. Conseguia passar-se um fim de semana barato, com comida e tudo, com praia... e claro, com a namorada, por um preço apaixonante.

O último dos restaurantes a sobreviver era próximo das bandas, mas o que mais nos marcou, foi o "Bico das Lulas". Ainda há dias a mãe das minhas filhas me lembrou uma noite em que o multibanco não funcionava e fomos lá jantar. Não nos conheciam de lado nenhum, mas confiaram em nós e no dia seguinte lá fomos pagar. Nesse mesmo ano voltámos lá e já não funcionava. Tinha falido, tal como tudo faliu em Troia. As piscinas, mesmo as maiores foram arrasadas e eu já não me interessa lá voltar. Aquilo que nos fazia lá ir ficou perdido no tempo. Ridiculamente a última vez que lá passei, junto ao Bico das Lulas, foi no dia do meu divórcio da mãe das meninas... foi como que simbolico.
Mas em 1991 Troia ainda tinha uma vida que era a do resto de uma terra que tinha sido gerida por trabalhadores no pós 25 de Abril e que tinha tido depois uma daquelas administrações feitas com amigos de amigos de amigos, que andam todos de carros de gama elevada, por causa de serem gestores... mas que acabam por vender tudo como massa falida; ou similar.
Mas então, em Julho de 1991 fomos para Troia com a Mafaldita. Foi a primeira vez que ela lá foi passar uns dias. A praia estava aquela delicia de sempre e nesse ano sempre que a Mafalda dava com o pé em qualquer coisa que parecesse uma construção na areia, dizia "tuna tuna"...

O verão de 91 não foi dos mais extensos que me lembro, de tal forma que em Setembro até já não fazia calor excessivo. Nesse mês comprei um corvo para a Mafalda a quem ela chamava de "patuuu... patuu". Ainda hoje o corvo está em cima da cama dela, com o mesmo boné e um coração preso a uma pata que diz... "prisioner of love".




Foi em 14 de Setembro que a Mafalda fez a sua primeira viagem de comboio. A mãe acabava um serviço em Tavira e por isso fomos de avião até Faro e depois de comboio para Tavira. Como ela era muito pequenita não pagou, mas eu como de sempre, guardei o meu bilhete que custou na altura 205 escudos.


Lá regressámos todos a casa no autocarro em que a mãe tinha trabalhado; vida de guia interprete.
Com o chegar dos dias mais frios, decidimos ir até Andorra para gastar uns dias livres. Era Novembro e aproveitava o meu aniversário a 13, para comprar algo por lá. Assim foi... comprei uma bela gabardina que durou dez anos e um auto rádio para o carro novo. chegámos à fronteira com Espanha e ninguém reparou no rádio que vinha lá calmamente no sitío dele, só que sem estar ligado. A mãe para variar dormiu quase todo o caminho, mas isso já era habitual.
Um ano quase inteiro passou e um dia de Setembro, agora de 1992, comprei para a Mafalda um casacão barato no Carrefour. Sempre tive um certo jeito para comprar coisas para as minhas filhas e este foi mais um desses casos. O casaco foi propositadamente do número acima. Deu dois ou três anos para a Mafalda e a Mó ainda chegou a vesti-lo.























Pouco tempo antes tinha decidido colocar uma bandeira da Comunidade Europeia por cima da cama da Mafalda. Na ponta tinha um ursinho a andar de baloiço. O urso chamava-se Jean Monet... muito apropriadamente, já que anos depois a Mafalda era o único ser a saber o nome do fundador da Comunidade Europeia.

 
A propósito de Mó, a mãe estava grávida de sete meses e por isso menos de dois meses depois, na tarde de 6 de Dezembro, lá tive que ir com a Mafalda até à Maternidade Alfredo da Costa para lhe apresentar a irmã.
Dois dias depois já ela estava em casa e por causa de uma mastite que a mãe teve, a Mó teve que ser alimentada a biberom. Afinal, passados os meus medos inicias sobre como é que ela se iría dar com o biberom, a seguir o receio era sobre se ela não o comeria...
A primeira vez que lhe pusemos o biberom na boca, o leite até borbulhava e se tivesse o dobro, ela bebia. Comprovou-se ser genéticamente muito parecida comigo. Até doente tem vontade de comer.
O primeiro banho da Mónica foi no dia 17 de Dezembro mas mesmo assim passou mais de um mês desde o dia em que nasceu até ver os meus pais.



No dia 10 de Janeiro de 1993, lá fomos ver os meus pais à Amadora, onde viviam. Das imagens desse dia ficam para a história três, que são únicas. A primeira é aquela que é a primeira vez que a minha mãe segura na Mónica. Outra é a imagem em que pela única vez aparecemos todos juntos com o meu pai e minha mãe ao mesmo tempo. A última é aquela que foi mesmo a última imagem que fiz aos meus pais juntos.



Há muitos anos que eu não via um sorriso ao meu pai e neste dia pude ver. As festas do meu pai eram três palmadinhas ao de leve na cabeça e ele deliciado a olhar para a Mó, fê-las. Guardou outras para a Mafaldita.
A última foto dos meus pais juntos? É claro, mas isso já está contado aí para baixo noutro destes textos. Ele morreu passados meses, no dia 13 de Novembro.


1 comentário:

  1. Lembro-me muito bem de tudo o que aqui está documentado...eu também sempre adorei Tróia...
    Servia de libertação muitas vezes repentina, da rotina diária...e é muito bom rever fotos do sorriso magnífico da Mafaldinha pequena e da Mó, gorduchinha como sempre...
    E do Pai e da Mãe....essas também não se esquecem, tal como deles também guardo a memória, o sorriso e as festinhas, ainda que muito discretas....

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